Por Lucinha Mota
“Mil dias de tormento. Dias
longos, noites claras, mil perguntas e nenhuma resposta. Tantas suposições, um
sem fim de indagações e só o silêncio vem de fora. Por dentro, um vazio, um
oco, um soco interminável no estômago, uma tristeza imensa, assediada pela
revolta, constantemente.
Ainda mais dentro, lá onde vive o pensamento, uma cena
congelada me aflige: A hora em que eu arrumava minha filha, para irmos a festa
de formatura da mais velha, todos felizes e inocentes quanto ao que teria por
vir. Entramos no carro, cruzamos a ponte, chegamos ansiosos para comemorar mais
uma conquista da nossa família.
Chegamos ao lugar que era como extensão da
nossa casa, onde nos sentíamos seguros e, ainda mais, protegidos por Deus. A
festa começou, minha filha brincava livre num espaço que era seu, estávamos
todos envolvidos com a programação, e ela segue para beber água onde já era de
costume.
Numa fração de um tempo sem volta, o horror! Pessoas correndo, gritos,
medo, terror e perplexidade. Era inacreditável tudo aquilo. Sem que eu jamais
pudesse imaginar estava diante de um corpo inerte, brutalmente atingido na sua
fragilidade. Minha filha indefesa foi atacada por um monstro. Rostos frios, em
hábitos brancos, passaram por mim, despedaçada, e se recolheram. Daí por diante
vocês já sabem.”
O relato acima não faz parte de
nenhum roteiro de cinema. Foi esta a tragédia vivida por Lucinha Mota, mãe da
menina Beatriz, covardemente assassinada com dezenas de facadas no Colégio
Maria Auxiliadora, em Petrolina, no dia 10 de dezembro de 2015, durante uma
festa de formatura. Há mil dias, Lucinha e sua família dormem revivendo essa
cena, e acordam sem respostas dos órgãos de segurança do estado.
Emperradas, as
investigações não chegam a lugar algum, denunciando a inutilidade do trabalho
das instituições de Segurança Pública e Justiça de Pernambuco. Se é incapaz de
desvendar um crime, ocorrido em um local com quase três mil pessoas, imagine …
O mistério marca o Caso
Beatriz, do início até os dias de hoje. Mil dias depois, só o silêncio. Os
representantes do Estado sequer falam sobre o assunto.
Seria melhor cair no
esquecimento? Melhor para quem? Mil dias foram insuficientes para dar uma
resposta a sociedade? Ou seria “melhor botar uma pedra nesse assunto”? O que
faltou para as investigações? Pessoal, estrutura, boa vontade? Ou, o que sobrou?
ingerência, incompetência, compromisso?
Das mil noites de agonia,
enquanto os Poderes do estado dormiam, literalmente, nasceu uma luta, que se
agigantou. A voz de Lucinha Mota ganhou eco de outras mães e famílias que
clamam por justiça. Ela transformou sua dor particular, em uma causa.
“Foram mil noites de agonia. Conheci o fundo do poço, onde, aos
poucos, fui tomando impulso para ressurgir em forma de luta por justiça.
Cai e
levantei muito mais de mil vezes. Clamei por Deus em todos os instantes e
encontrei a força que eu não conhecia em mim, para reerguer-me, por ela, minha
filha.
Enfrentei de leão a coelho, bati em portas e catedrais. Cheguei ao
Planalto, ministérios e até fui a Roma, através de uma carta. Percorri todos os
quilômetros que estavam ao meu alcance.
A cada voo, minha esperança aumentava,
mesmo que a cada aterrissagem nada acontecesse. Busquei todas as instâncias,
fechei ruas e ponte. Fui no alto das duas cidades sanfranciscanas e soltei meu
grito, suplicando justiça. Nunca pensei em desistir, mesmo nos momentos mais
difíceis.
Comecei a compreender que para confortar minha dor, eu precisava me
juntar a outras mães também vítimas da crueldade humana e da impunidade, da
injustiça. E cheguei até aqui.
Sobrevivi a estes mil dias e quero outros muito
mais de mil para lutar por Justiça. Estou renascendo das cinzas para encampar
essa luta, que não é só minha, é de milhares de pessoas que sofrem como eu a
dor de uma perca insanável e a impunidade de tantos assassinos, que continuam
soltos, tripudiando da sociedade e do estado, esperando a vez de cometer outros
crimes, em virtude da incapacidade de atuação dos organismos de segurança.”
Lucinha Mota, finalizou o
relato do drama que vive todos os dias, com um trecho do Salmo 91 “Caiam mil homens à tua esquerda e dez mil à tua
direita, tu não serás atingido,”, citou.
Fonte
O Povo com a Notícia
O Povo com a Notícia
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